quarta-feira, 22 de abril de 2009

Alcoolismo: preencher a falha afectiva.

A origem do termo deve-se ao médico sueco Magnus Huss, que o propôs em 1848. O conceito de alcoolismo, foi o primeiro passo que permitiu o início das investigações sobre o mesmo, a seguir á Segunda Guerra Mundial. Em 1960 foi introduzido pela primeira vez o conceito de doença associada ao consumo de álcool privilegiando a repercussão negativa, a nível pessoal e social, sendo definida como uma doença progressiva, com um curso fixo e previsível uma vez atingida a dependência, sublinhando a perda de controlo sobre a quantidade de álcool ingerida, um dado indicador para o diagnóstico desta doença.
O alcoolismo não pode ser entendido apenas por causas genéticas ou físicas. O alcoolismo deve ser visto como um sintoma de algo mais profundo ao nível psicológico, encerrando sempre sofrimento psíquico enorme. O abandono social e pessoal é a primeira causa de degradação da vida da pessoa consumidora. A família quase nunca suporta conviver com o alcoólico, quando este passa para a fase em que consome diariamente grandes quantidades para conseguir um estado de bem-estar psicológico, efémero, pois desaparece rapidamente e que conduz a mais consumo. Existe muito alcoolismo escondido sob um beber social e cultural aceite socialmente. O admitir que existem hábitos excessivos de consumo é sempre um passo para a procura de ajuda. A incapacidade para reconhecer isso leva a uma degradação continua, que provoca a morte e arrasta famílias num sofrimento atroz.
O alcoolismo é um sintoma de um desenvolvimento traumático na relação afectiva, desenvolvida com as figuras presentes na vida do sujeito. É esta a chave do diagnóstico, a explicação do nó que ata a vida da pessoa ao consumo de álcool, de forma compulsiva, passando este a preencher o lugar das relações com outros e dos afectos, sempre ausentes da vida pessoal do consumidor compulsivo. O álcool preenche então a falha afectiva que se gerou algures numa fase da vida do sujeito, quase sempre na infância mais precoce.
A pessoa consome álcool para se sentir bem e desinibido, tem medo da intimidade relacional e uma auto-estima muito débil ou inexistente que se alimenta e cresce na medida da ingestão do líquido. A bebida alcoólica é investida como se fosse uma pessoa e passa a funcionar na vida do sujeito alcoólico como se de facto de tratasse de uma presença. O significado do álcool é então a partir de certo momento em que as relações falharam, amor, amigo e companheiro, constituindo-se como valor relacional, ou seja substituindo o lugar do outro, na relação afectiva.
O néctar dos deuses como lhe chamaram os gregos, não é um mal social, pois o problema não reside nele, mas sim em quem o bebe em excesso, passando o seu consumo por uma cultura em que se aprende a apreciar e beber de forma adequada como refere Coimbra de Matos, psicanalista e apreciador do referido néctar.
É possível tratar esta doença. Numa fase inicial passa pela abstinência e desintoxicação com terapia medicamentosa e acompanhamento médico. Depois, assim que estiverem reunidas essas condições, ou em simultâneo, segue-se um tratamento psicoterapêutico, esse sim, transformador da relação que a pessoa tem com o álcool, substituindo-se aos poucos em verdadeiras relações, humanas e afectivas.

sábado, 18 de abril de 2009

Psicoterapias: termináveis ou intermináveis?

Fazendo uma pesquisa em sites que falam de psicoterapia fui lendo vários depoimentos de pessoas leigas na matéria e que podem induzir em erro quem esteja interessado em fazer uma psicoterapia por necessitar e, assim fique a pensar que se a iniciar nunca mais vai sair dali. Essa atitude baseada em crenças deste tipo pode fazer a diferença entre a cura e o perpetuar a doença. É comum ouvir-se dizer na comunidade científica que as análises e as psicoterapias são intermináveis. Isto é verdade mas apenas pelo facto de quando a terminamos com o nosso analista ou psicoterapeuta a continuamos pela vida fora, sozinhos, uma vez que já adquirimos a função analisante, ou seja a função de pensar sozinhos como se estivéssemos a pensar com o nosso analista. Falo na primeira pessoa porque todos os analistas e psicoterapeutas de orientação analítica têm que efectuar uma análise ou psicoterapia com fins didácticos.
Outro aspecto que muitas vezes os clientes referem no início da psicoterapia é o terem medo de ficar dependentes do psicoterapeuta. Isso só acontece se a psicoterapia estiver a ser mal conduzida, porque um dos seus objectivos é tornar a pessoa autónoma. Claro que ao fim de algum tempo esse receio desaparece e, a qualidade que a pessoa começa a ter na sua vida fá-la continuar até atingir um estado pleno de bem-estar.

Em quanto tempo é que esse estado de bem-estar é alcançado? Meses? Anos?

Depende sempre da gravidade do problema e dos objectivos da pessoa. Se a situação for simples (situações de depressibilidade que provocam mal estar a vida inteira e que por vezes se resolvem com alguns meses de psicoterapia) e a pessoa pretenda apenas a remoção dos sintomas, por vezes é rápido de resolver, se a pessoa pretende ir mais fundo no seu modo de funcionamento (alteração da estrutura de personalidade), então será sempre mais de um ano.
Tudo depende da gravidade do problema, se os sintomas são mais neuróticos (fobias, obsessão, histeria), depressivos então tudo se resolve com mais rapidez, se o caso for mais do âmbito da psicose (mais desorganizado), então ai requer uma intervenção conjugada (psicoterapeuta, psiquiatra, serviços sociais e família) e prolongada no tempo pois o objectivo é a qualidade de vida da pessoa com psicose.
Convêm que o leitor fique ciente que não psicoterapias intermináveis, a relação com o psicoterapeuta ou analista não causa dependência (é uma dependência boa), e as vantagens de passar por um processo desses podem fazer a diferença entre viver com saúde ou doente o resto da vida. de considerar que uma pessoa com doença psíquica na família altera todo o ambiente familiar. Se o problema se resolver então a dinâmica familiar irá alterar-se. Todos beneficiam.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Depressão infantil

Muitas das crianças que surgem em consulta psicológica apresentam como pano de fundo depois de alguma investigação por parte do psicólogo ou psicoterapeuta, uma depressão, mascarada quase sempre por outros sinais que confundem a família. Existem diferentes causas para que esse problema apareça e alguns deles nem são importantes, pois podem ser apenas reacções momentâneas a perdas exteriores próprias do desenvolvimento normativo e que desaparecem em pouco tempo. Outras, na sua maioria são acontecimentos de vida traumáticos ou falhas narcísicas (falta de auto-estima) que permanecem desde tenras idades. Muitas destas crianças tem um sentimento de rejeição interiorizado (“ nasci por um descuido dos meus pais”), ou (“ ninguém gosta de mim”) e sentem sempre que não prestam e que são pessoas ruins. Estes acontecimentos de vida sentidos como traumáticos, quase sempre lidos dessa forma pela criança, como tal, foram vividos e interiorizados assim e, nem sempre percebidos pelos pais que quase sempre ficam surpresos e culpabilizados pelos factos que colocaram os filhos com problemas emocionais.A expressão dos afectos depressivos manifesta-se de várias formas: alterações alimentares e de sono, sobretudo perda de apetite e insónia, perturbações do controle dos esfíncteres (chichi de noite e cocó de dia nas cuecas), dores de cabeça e abdominais sem causas físicas, dificuldades de aprendizagem escolar, estas ultimas muito frequentes e confundidas com défices cognitivos, alterações de comportamento, sobretudo instabilidade, hiperactividade e agressividade, furtos e mentiras repetidas.Existe uma forte ligação entre a depressão e a capacidade de uma criança reter conhecimentos na escola e sobretudo na capacidade de pensar. A agressividade tem a ver sobretudo com a incapacidade de mentalizar o sofrimento. A depressão infantil tal como nos adultos não passa por si e com ingestão de medicamentos. É necessária uma intervenção psicoterapêutica, pois, caso não seja tratada traz sérios prejuízos na saúde mental da criança e consequências na vida adulta.

O divórcio dos pais. Que consequências para os filhos?

As figuras parentais são fundamentais para a forma como se vão desenvolver os processos psíquicos da criança. Digo figuras parentais, porque nem sempre são os pais biológicos a desempenharem esse papel. A afectividade da criança vai ter como base a relação que desenvolve com os pais, bem como a que o casal estabelece entre si. È no desejo dos pais enquanto casal que a criança aprende a triangular as suas relações, permitindo a entrada de terceiros na sua vida.
O divórcio dos pais é sempre um acontecimento traumatizante na vida da criança qualquer que seja a idade. Em idades precoces, pré – escolares ao efeitos não tardam a surgir, a criança fica agitada, confusa e sentem-se muito vulneráveis, tendendo a culpar-se “ o pai foi-se embora porque eu sou mau” entre outras coisas que assentam sempre na sua responsabilidade pela separação dos pais. As crianças pequenas como ainda são muito auto-centradas tendem a culpabilizar-se de situações menos boas.
Quando são mais velhas, em idades escolares sobrevêm a tristeza e a depressão na maioria das situações, transtornos psicossomáticos (dores de cabeça, dores de barriga, vómitos, diarreia etc.), em ambas as situações existe prejuízo para um bom decorrer da adolescência e adulticia.
Na situação de divórcio o casal está muito embrenhado na situação e pouco disponível para os filhos. A ausência de interacções protectoras e segurizantes decorrentes dessa fase podem resultar em dificuldades ao nível do relacionamento com amigos, professores, familiares e da própria criança consigo mesma.
O divórcio dos pais quando é mal integrado pela criança, quando a criança se sentiu arma de arremesso entre o casal, quando um dos pais utiliza a criança para denegrir a imagem do outro, faz chantagem, ameaça, agride, entre outras situações, pode comprometer um bom desenvolvimento emocional no futuro. Ainda que o divórcio seja entre o pai e a mãe, a criança também passa por essa separação, pois tem que separar o que outrora tinha unido dentro de si. A negação e a recusa vão actuar impelindo a criança a fazer tentativas de juntar os dois. É uma perda que aos olhos da criança pode ser reversível, alimentando a esperança e a ilusão que isso vai acontecer.
Durante muito tempo a criança vai dedicar-se a encontrar estratégias de reconciliar os pais e voltar a tê-los de novo perto de si. Nessa fase de tentativa de os aproximar as actividades escolares vão ser deixadas de lado, as notas vão baixar, o interesse pelas brincadeiras diminui, os seus interesses e fantasias vão estar ocupados com essa tarefa.
Nem sempre o divórcio é um factor de estabilidade para a criança. O facto de poder estar longe de brigas e agressões que possam existir, faz com que perca na mesma a sua referência da família, e em muitas situações começam as brigas novamente sendo a criança o elo de ligação e o correio entre os pais.
Quando a criança tem 10 -11 anos e mais, um dos sintomas que aparece é começar a apresentar uma maturidade que na realidade não tem. Adopta posições de distância com um controlo excessivo de si mesmo, a fim de negar os sentimentos de vergonha e neutralizar a ansiedade, bem como sondar os limites da situação familiar, face a uma nova realidade. Nessa fase pode ser impelido a experimentar drogas e álcool e a iniciar a vida sexual como forma de arranjar companhia e combater o sentimento de abandono gerado pelo desfazer da família.
Muitas crianças e adolescentes não aceitam a separação e começam a agir essa dor com comportamentos agressivos manifestado hostilidade e desgosto. Com frequências culpam o conjugue como qual vivem, normalmente culpam a mãe por não ser capaz de manter a família unida. Quando visitam o outro conjugue seja o pai ou mãe não se atrevem a manifestar o desgosto com medo de perder mais essa relação e a família com receio de acabar com uma relação já de si insegura. Mais vale ter uma relação insegura que ser abandonado, sentimento que acompanha sempre a criança. Apontam algumas estatísticas que dois meses depois de decretado o divórcio menos de metade dos pais vê o filho apenas uma vez por semana. Passado um ano mais de metade nem sequer a visita.
O perigo de desequilíbrios psicológicos por causa do divórcio dos pais aumenta se a criança já tem predisposição para ser vulnerável por antecedentes familiares de depressão, pela própria perda ou pelo reavivar na memória de outras perdas mais precoces, como por exemplo uma ausência prolongada da mãe ou do pai sentida como abandónica. O divórcio não significa um ponto final no confronto entre os pais, por vezes eles estão apenas a começar, o casal reaviva os problemas, não se consegue descentrar dos seus problemas e não consegue gerir em conjunto as coisas do filho mais simples, como comprar roupa, uma saída com amigos, a imposição de um limite. Se um diz não, o outro para ser melhor diz que sim. Assim se vai instalando a confusão mental na criança que se vê quase sempre no meio dos pais em que cada um denigre a imagem do outro a cada dia que passa.
O impacto do divórcio na criança depende sempre da estabilidade daquele com quem ficar. A fragilidade afectiva dos pais a seguir ao divórcio faz com que fiquem incapazes de atender as necessidades dos filhos. A criança sofre imenso quando é utilizada como instrumento de negociação entre os pais e quando pai ou mãe estão deprimidos e a tentam absorver como busca de companhia e apoio. Desgastam afectivamente a criança/ adolescente que se viu forçada a ser o amparo do progenitor deprimido. Em situações destas a busca de ajuda especializada poderá evitar graves prejuízos na vida futura da criança.