segunda-feira, 5 de julho de 2010

Como se perpetuam as doenças psíquicas através das gerações.

"O terapeuta" Magritte

O legado psíquico do ser humano é transmitido de geração em geração conduzindo a estados de saúde duráveis, ou, pelo contrário, à doença que se prolonga segundo alguns estudos até á terceira geração se não houver uma interrupção do ciclo com uma psicoterapia de algum dos membros da família mais perturbado ao nível emocional.


A família funciona como um campo dinâmico no qual agem tanto os factores conscientes quanto os inconscientes, sendo que a criança desde o nascimento não é apenas influenciada pela família, mas é também um poderoso agente activo de modificações no seio familiar. Assim, quando uma criança com perturbação emocional é tratada, a relação familiar altera-se de forma significativa. O primeiro factor da transgeracionalidade a ter em conta é que cada progenitor mantém internalizações das famílias de origem com os correspondentes estereótipos e conflitos. Há uma forte tendência no sentido de que os conflitos não resolvidos pelos pais, sejam mais tarde reeditados nos filhos. É frequente uma mãe que teve uma má relação com o seu pai, menosprezar o marido enquanto repete o mesmo conflito incestuoso com o filho. Desta forma a criança torna-se uma imagem do avô, enquanto a mãe vai desvalorizando a imagem do pai, excluindo assim a figura paterna da educação da criança, tal como se sentiu rejeitada pelo pai. Vinga-se assim no marido na impossibilidade de se vingar no pai. O mesmo é válido para o homem fixado na mãe, que aos poucos vai excluindo a mulher e fixando-se na sua mãe, muitas vezes através dos filhos, passando a esposa a fazer parte dos odiados da família, ficando vingado o desprezo que a mãe lhe devota. Conflitos destes são muito comuns e escondem-se muitas vezes de outras formas, (pouco perceptíveis para quem não tem formação ao nível da psicologia), sendo devastadores da saúde psíquica das crianças, aparecendo mais tarde a depressão, a delinquência, doenças psicossomáticas etc.


Os valores culturais, afectos, ansiedades, necessidades do ego, mal entendidos, segredos ocultos, são transmissões que não passam de forma indelével nas gerações. A forma como os pais se vêem, a imagem que tem de cada um e que passam aos filhos, as necessidades de auto-estima, a definição de papéis como por exemplo a “ bode expiatório”, “orgulho de mãe”, “doente da família”, louco da família” são cumpridos dentro da família e fora dela, mantendo muitas vezes a aparente “sanidade mental” de todos os outros, que ao terem um identificado como doente, parecem estarem assim a salvo da doença, quando na realidade estão todos emersos em doença psíquica. As famílias apresentam uma variedade de estruturas que pode ir do mais saudável ao mais doente. Podem ser famílias simbióticas (vivem e fazem tudo juntos), obsessivas, narcisistas (vivem de aparência para esconder as fragilidades e obrigam os filhos a performances de perfeição), paranóides (existem perigos em todo o lado, tudo é externo ao sujeito), fóbicas (alimentam nos filhos medos que são seus, tornam-nos hipocondríacos), depressivas, sadomasoquistas, perversas ou, então apresentam-se mentalmente bem estruturadas e sadias.


Uma família bem estruturada requer algumas condições básicas, tais como, distribuição de papéis, lugares, posições e atribuições, com a manutenção de um clima de liberdade e de respeito entre os membros. É necessários existir limites e fronteiras na relação dos membros familiares. Caso isso não exista e tudo fique confuso, borrado, em que se perdem os direitos, deveres e privilégios, como os lugares que cabem a um pai e a um filho então a insanidade mental está criada e vai passando de geração em geração. É vulgar ouvir dizer de algumas famílias que se constituem doentes “ são todos assim, o avô também se matou, a mãe era depressiva”, no caso de famílias depressivas, ou em famílias psicóticas que gerações após geração vão surgindo casos de esquizofrenia em número considerável para ser considerado normal. São famílias que se organizam num psiquismo doente, passando aos filhos modelos de relação baseados em pressupostos de doença, muitas vezes não visível socialmente mas que se traduzem por exemplo em visitas exageradas a médicos, baixas, hospitalizações, doenças psíquicas com expressão física (eczemas, asma, colites, fibromialgia…).

Qualquer das situações descritas vai influir na formação do psiquismo da criança, passando de pais para filhos numa transgeracionalidade que é preciso travar, para que a sociedade se constitua sadia.

Boas férias a todos os leitores