quinta-feira, 26 de março de 2009

Depressão: uma doença dos afectos.


A depressão é uma doença que compromete o físico, o humor e, em consequência o pensamento. Altera a maneira como a pessoa vê o mundo e sente a realidade, entende as coisas, manifesta emoções, sente a disposição e o prazer com a vida. É, portanto um problema da esfera afectiva e do humor. Não é sinal de fraqueza por falta de pensamentos positivos ou uma condição que possa ser superada apenas pelo esforço ou força de vontade.
A depressão é uma doença dos afectos. O que são os afectos? São uma parte do nosso psiquismo, responsável pela maneira de sentir e perceber a realidade. A afectividade é, então a parte psíquica que tem a ser cargo a descodificação dos significados dos nossos sentimentos. Se aquilo que estamos a viver é prazeroso ou pelo contrário desagradável, sofrível, angustiante, causa pânico ou medo. Os afectos podem ser comparados a lentes com as quais vemos o mundo. Depois, cada pessoa faz uma leitura diferente dos acontecimentos de vida e obviamente, organiza-se face a eles de forma diferente. Assim, uns vêem as coisas mais coloridas, sempre optimistas, outros sempre pessimistas, outros integram as duas coisas em doses equilibradas, entre outras formas de perceber a realidade. A sensibilidade percebida por esses afectos é sempre uma construção pessoal, dai que seja diferente em todos os indivíduos.
Existem diversas opiniões sobre a depressão. Uns autores defendem que se trata apenas de transtornos químicos no cérebro, por isso, curáveis apenas com medicamentos, outros que são resultado das vivências de cada um, outros que são distorções cognitivas da realidade. A prática clínica na psicologia mostra-nos que a depressão não se cura apenas com medicamentos, ou com força de vontade. E que as cognições estão boas, mas as emoções não, porque a pessoa deprimida tem noção do seu estado, mas não o consegue alterar. Acontece com muita frequência as pessoas tomarem medicamentos durante anos, e lutarem por terem pensamentos positivos, e nunca melhorarem. Em casos muito graves de depressão, poderão ser necessários medicamentos, porque, sabemos hoje graças ao avanço das neurociências, que as emoções afectam o funcionamento do organismo, logo, alteram a parte química, mas, senão existir a parte afectiva e relacional encontrada numa psicoterapia, raramente se curam. Outros casos curam-se apenas com psicoterapia sem necessidade de medicamentos. O que eu defendo é que a psicoterapia é essencial para a cura da depressão pois é com base na relação que os afectos são normalizados.
Como se manifesta a depressão? O quadro da depressão é o mais variado possível, de acordo com a estrutura de personalidade de cada um, no entanto existem dois sintomas que são os marcadores dessa doença: a culpa, e a baixa auto-estima.
A pessoa deprimida sente-se sempre culpada de tudo o que lhe acontece a si e à sua volta, tal como pensa sempre que não tem valor e, que ninguém gosta dela. Dai que afirmemos que se trata de uma doença dos afectos. A depressão surge das mais variadas formas, nas crianças podem surgir problemas na escola, baixo rendimento escolar, ficarem muito caladas, ou pelo contrário muito irrequietas, rebeldes, sem mostrarem qualquer tipo de tristeza. Nos adultos, podem surgir sentimentos de tristeza, choro, apatia, falta de apetite, dificuldades em dormir, irritabilidade, sintomas de pânico, fobias, isolamento, ou uma sensação de esgotamento. Esse esgotamento não é mais que outra forma de depressão. Sentir-se esgotado é sentir-se sem disposição para a vida, para enfrentar os problemas, a monotonia, a constância da vida, para continuar a fazer as mesmas coisas, para suportar as mesmas pessoas, para se defender. Esgota-se a energia e a capacidade de adaptação aos problemas do dia a dia. O que constatamos na clínica é que não existe um estado de esgotamento sem um estado afectivo diminuído, logo, com fundo depressivo.
Nas crianças a depressão tem manifestações diferentes dos adultos. Nas crianças, um dos transtornos muito associados à depressão é a Hiperactividade. Esses sintomas hiperactivos não são mais que a incapacidade da criança em pensar sobre aquilo que a atormenta, normalmente a falta de afecto. É pela falta de afecto que a pessoa deprime. A depressão pode surgir nas mudanças do ciclo de vida da pessoa, em que se operam mudanças significativas (casamento, nascimento de um filho, entrada para a escola, morte de alguém, divórcio) ou a pessoa manter-se num estado de depressão latente, sem se deprimir de facto durante anos.
A depressão pode manifestar-se ainda sob formas de ansiedade, tais como ter medo de viajar sozinho, sentir-se preso num elevador, estar em locais cheio de gente, cisma com doenças, sentir-se avaliado pelos outros, ter medo de falar em publico, entre outros. Ou sob a forma de somatizações, com a queixas físicas. Esses sintomas, apesar de causarem incomodo à pessoa não são visíveis nos exames médicos, levando por vezes ao arrastamento da situação nas consultas médicas de clínica geral, quando a pessoa apenas manifesta esses sintomas. Podem apresentar-se queixas como falta de ar, dores nos membros, estômago, palpitações, tonturas, formigueiros. A depressão pode agravar situações como a diabetes, hipertensão, asma, alergias, síndrome vertiginoso, etc., e ai falamos em doenças psicossomáticas.
A depressão é uma doença muito grave e que compromete toda a vida da pessoa e de quem lhe está próximo. A incapacidade para lidar com as exigências e o humor duma pessoa deprimida conduz a situações sociais graves numa família, tornando-se urgente consultar um especialista da saúde mental (psicoterapeuta e psiquiatra em alguns casos), para que a pessoa seja ajudada o mais rápido possível. Em situações limite a depressão conduz ao suicídio.