sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Depressão de inferioridade

A depressão gera-se numa relação de amor não correspondido, numa economia depressigena: em que o sujeito dá mais do que recebe. É ai que se desenvolve, forma-se como reacção à perda afectiva pontual e mais visível, mais dolorosa para a pessoa. O drama do depressivo resulta, em grande parte, de ter sido amado de um modo narcísico: a mãe amou-o como uma parte do seu próprio corpo. Ama-o como uma posse, um prolongamento de si mesma, não como um ser separado e diferente. É o amor narcísico do objecto, em que este é investido como uma peça ou um adorno do sujeito amante, tal como se ama um carro caro, ou uma jóia cara. No investimento narcísico do objecto, o sujeito investidor está em primeiro plano, é o mais importante (Coimbra de Matos, 2002). É o caso da mãe que exibe o filho para se mostrar, para obter atenção de outro, e quando o filho não corresponde ao que espera dele, ou seja, não a reconhece e não a valoriza como mãe, denigre-o e o afasta-o recusando-lhe o teu afecto. Muitas vezes é dito à criança frases deste género: “ és mau, não gosto de ti”, que, verbalizadas de uma forma continuada e ao longo do tempo geram a doença, a depressão, doença dos afectos.
Outro aspecto intimamente ligado à depressão (muito frequente em psicoterapia) é a deficiente narcisação da criança no seu papel de futura mulher e futuro homem. Entende – se por narcisar a função que a mãe e o pai tem de reconhecer o filho em todas as suas fases de desenvolvimento. Narcisar (vem de narciso e tem a ver com a beleza) significa por isso reconhecer e valorizar a beleza, algo que o ser humano precisa durante toda a sua vida, pois não existe sem o reconhecimento do outro.
Outra forma da depressão, com contornos diferentes da retirada do afecto pelo objecto, é a depressão de inferioridade, e que resulta da deficiente narcisação da criança. A pessoa não foi valorizada enquanto menina ou rapaz. Não lhe foi dito que estava bonita, e que iria arranjar muitos namorados, ou namoradas, logo não foi valorizada a sua beleza, mais tarde vai-se sentir sempre feia ou feio apesar de na maioria das vezes serem pessoas bonitas. Também não foram considerados capazes e competentes nas tarefas que faziam, ou tudo o que faziam não chegava para satisfazer os pais. Então, mais tarde, na vida adulta, nada lhe irá correr bem, irá sempre deixar escapar oportunidades por não se sentir capaz, e vai ter sempre a sensação de todos lhe terem passado na frente e serem mais capazes que eles. Estas pessoas que apresentam depressões de inferioridade vivem tristes e desvalorizadas, quando por vezes tem potencial para serem pessoas bem sucedidas a nível pessoal e profissional. Á sua volta ninguém percebe o que se passa, na verdade parece até que não tem motivos para se sentirem assim. No entanto a deficiente narcisação empurrou-os para a depressão. Este tipo de depressão não tem só a ver com falta de afecto mas com o reconhecimento da beleza e das capacidades. Se a criança foi reconhecida pelo pai e pela mãe “ estás tão bonita, vais arranjar muitos namorados” no seu papel sexual, então quando chegar á adolescência tudo irá ser mais fácil. Ai só lhe resta experimentar na prática se a mãe ou o pai tinham razão há alguns anos atrás, e vai confirmar ou infirmar a opinião parental. Um dia arranja um companheiro e vai-se sentir segura. Se pelo contrario ninguém lhe disse o quanto era bonita e lhe disse que tinha possibilidades de ter muito sucesso com o sexo oposto, então a insegurança instala-se e irá ter imensas dificuldades em segurar-se numa relação. Pela vida fora irá encontrar pessoas idênticas a ela e, a procurar essa narcisação nos homens ou mulheres que escolhe para companheiros. Essa narcisação, uma vez que é procurada de forma externa (a auto-estima do bébe começa por ser externa, através da mãe, e cada vez mais vai sendo mantida de forma interna num ser humano mentalmente saudável) irá trazer insatisfação e sentimentos depressivos, uma vez que o outro procura exactamente o mesmo, e nenhum tem algo para dar, tendo no entanto tudo para receber. A pessoa chegará a uma fase, normalmente em acontecimentos de vida significativos (nascimento de filhos, casamento, termino de licenciatura, morte de um familiar) em que o self não aguenta o esforço para manter a auto-estima e deprime.
O tratamento deste tipo de depressão passa por psicoterapia, um processo em que a pessoa vai ser narcisada e reconhecida e assim recuperar o seu valor enquanto homem e mulher, quer no seu papel de identidade de género, quer nas suas competência enquanto ser humano útil à sociedade.

*Excertos de um seminário na Sociedade de Psicologia Clínica, pelo Professor Coimbra de Matos.


segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Bullying: agressores e agredidos


Bullying é um termo de origem inglesa que descreve actos de violência física ou psicológicos praticados por um ou mais indivíduos com o objectivo de intimidar um indivíduo ou um grupo mais fraco. Pode surgir de duas formas: directa e indirecta, este ultimo mais enquadrado na agressão social. O bullying directo é mais praticado por indivíduos do sexo masculino e o indirecto por raparigas que embora não seja muito sinalizado é mais vulgar, passando no entanto mais despercebido. O bullying indirecto manifesta-se recorrendo a várias situações, tais como, espalhar comentários pejorativos, recusa em socializar com a vítima, intimidar outras pessoas que insistam em socializar-se com a vítima, criticar modo de vida, roupa, calçado etc.
No entanto o que me levou a escrever este artigo foi elucidar mais um pouco e noutra perspectiva, sobre quem são estes rapazes e raparigas que agridem, e outros que se deixam intimidar e são agredidos. Existem várias teorias, desde as ligadas á educação, vertente sociológica (baseadas em diversos estudos de campo) e até politicas, relacionadas com as directrizes governativas face à política de educação. Todas elas estão interligadas e todas têm razão nos vários aspectos que focam. O meu objectivo com este post é desmistificar este tema muito conhecido dos psicoterapeutas e psicólogos, pela sua prática clínica privada, dados que nunca são divulgados, pois pertencem a uma esfera restrita da saúde mental (prática psicoterapêutica privada) e não contam para estatísticas. Agressores e agredidos aparecem em consulta privada com regularidade, quando os pais ainda conseguem perceber que os filhos e os próprios pais têm um problema.
Quem são os agressores?
São crianças que de alguma forma foram sujeitos ou a uma repressão severa em casa, nunca lhes sendo permitido manifestar algum tipo de agressividade (a agressividade é normativa, faz falta para a vida adulta como impulsionadora das realizações do ser humano em todas as suas esferas, familiar, profissional, afectiva etc.) são os filhos obedientes e bonzinhos, que nunca deram problemas aos pais, mas que foram sujeitos a uma educação demasiado repressiva. Ou, num outro extremo, os filhos sujeitos a grandes doses de violência física, com a qual se começam a identificar e a agir sobre os outros como modelo relacional interiorizado. Aqueles que nunca conseguiram manifestar discordância aos pais e revoltarem-se podem de igual forma agir a agressividade com outros como forma de libertarem a raiva contida, impossível de pensar. No entanto é mais vulgar estes rapazes serem vítimas, como repetição do modelo de autoridade a que foram sujeitos. Vulgarmente aparecem em consulta rapazes entre os doze e os catorze anos, trazidos pelos pais, por outros motivos distintos daqueles que depois se vêem a verificar. O pedido inicial tem a ver muitas vezes com as aprendizagens escolares insatisfatórias, sintomas de irritabilidade, destruição de objectos (portas e outros mobiliários) em momentos de raiva não contida, choro intenso sem motivo aparente, queixas seguidas por parte da escola entre outros, recusa em ir á escola, este é o pedido dos pais, o pedido dos filhos é bem diferente, vulgarmente uma revolta muito grande com os pais por uma falta de afecto sentida (foi essa a construção mental da criança face à leitura dos acontecimentos de vida) ou queixas de agressões verbais e físicas na escola que escondem aos pais por medo e vergonha de serem mais humilhados ainda. Por trás destas crianças estão quase sempre pais muito ausentes física e afectivamente que fizeram o melhor que sabiam mas que foram lidos de forma menos saudável e que propiciaram o terreno para que a depressão se instalasse. Quase sempre se encontram esboços de estruturas de personalidade depressivas em vítimas e agressores. No bullying do meu ponto de vista não existem bons e maus, ambos são vitimas que necessitam de ajuda psicoterapêutica, única forma de interromper um ciclo de violência contida e agida. A salvaguardar que em casos extremos de vitimização constantes o sofrimento emocional é tão intenso que poderá conduzir a actos extremos contra o próprio: o suicídio. Em 2002 na Inglaterra Hamed Nastoh, suicidou-se depois de ser vítima de bullying continuado, sem nunca ter revelado aos pais o que lhe sucedia na escola.
Se pensarmos que por cada criança que passa por uma psicoterapia o numero de pessoas que é beneficiada (família e sociedade) e o ciclo geracional que é possível ser interrompido talvez seja fácil de imaginar o dinheiro que o estado poupa em internamentos, prisões, medicamentos, e outras repercussões sociais que se alastram por contactos interpessoais.